A escuridão reinava sobre os corredores das masmorras, os passos leves de Sophie causavam ecos pelo ambiente, deixando-o ainda mais assustador. Mas a menina não tinha medo, estava acostumada com aquelas pedras que a cercavam e com o frio que a envolvia, desde o primeiro ano na escola já costumava a passear por aqueles corredores e normalmente estes passeios começavam tarde da noite. Este ano ao se tornar monitora tais passeios deixaram de se tornar algo ao qual ela pudesse se ver livre dos restantes dos alunos, para um serviço: esta noite ela fazia a ronda. E ela admitia para si mesma que gostava do trabalho que a monitora a proporcionava, além da superioridade que o distintivo de monitora dava aos outros, o poder que ela obtinha com tal título a deixava mais confortável com a situação em que se encontrava. Seus anos de menina indefesa e insegura andando esguia pelos corredores vazios da escola acabaram, para uma moça, quase mulher, que andava elegantemente enquanto que com a varinha em punhos, colocava em ordem a escola onde estudava.

As tochas das masmorras iluminavam tão fracamente ao seu redor, que a Corvina já não se importava com a maneira com que andava normalmente. No escuro ela podia ser ela mesma, podia mostrar sua insegurança em meio a passos furtivos. A menina que ela se mostrava de dia, em frente aos colegas, orgulhosa, de nariz empinado e segura de si não existia a noite, no escuro quando encontrava-se sozinha. Os cabelos desarrumados devido as horas de caminhadas pelos arredores do castelo teimavam em cair sobre os seus olhos. O fogo alaranjado das tochas apenas de vez em quando iluminava fracamente o olhar perdido de Sophie, o mesmo olhar tão constante quando era pequena e que após crescer ela soubera o esconder, guardando-o então apenas para o seu avô.

Desde o início das aulas seus dias compunham-se de manhãs regadas a estudos na biblioteca, tardes tomadas pelo sol que a acolhia nos terrenos e a noite ela fazia as devidas rondas. Ela não tinha o costume de falar com ninguém, nem o queria fazer. Os outros alunos tinham medo dela, já que a máscara que a menina colocara no rosto era de má, os primos que sabiam que Sophie não era realmente má falavam com ela apenas para machucá-la com as vil palavras que expeliam, nem ao menos os adultos que alojavam o castelo tinham algum interesse em comunicar-se com ela, apenas alguns professores que lhe davam instruções de monitoria, já que seu avô era um homem poderoso e se eles fizessem ou dissessem algo de errado para ela poderiam ser demitidos, ou algo pior.

Portanto a corvina mantivera-se sozinha. Não que ela se importasse com isso, mas havia momentos em que sua voz tornavasse rouca de tão pouco uso. Mesmo a visita repentina de seu avô não a havia tirado do cotidiano solitário em que ela vivia. Na verdade, Sophie não sabia conviver com outras pessoas. Estivera sempre sozinha, apenas seu avô e a elfa doméstica que a criara realmente a conheciam. E ela tinha medo de mostrar como realmente era. Com um suspiro longo, a menina leva uma grossa mecha de cabelos para detrás da orelha. Estava cansada da sua vida, desde que nascera não parecia se encaixar em lugar algum. Nem sua família a amava. Um soluço rouco escapa de seus lábios e uma movimentação a sua direita, logo ao fim do corredor a chama a atenção. Com rapidez a menina ergue a varinha e diz com a voz seca. - Quem está aí? - Sua mão tremia levemente, não por medo de que algo a atacasse, mas por medo de que alguém tivesse ouvido o seu som mais frágil, o soluço que demonstrava sua insegurança.

O silêncio prevaleceu após as palavras ditas por Sophie. Nenhuma resposta veio do local para onde apontava a varinha, mas uma respiração curta quebrava o próprio som da respiração da menina. Um som de passo quebra novamente o silêncio que a envolvia, junto com a misteriosa pessoa que lá havia. Mesmo com a proximidade da pessoa, ainda não era possível identificá-la, como a Corvina encontrava-se logo abaixo da tocha ela encontrava-se mais visível que o outro, portanto com um movimento rápido ela murmura. - Lumus! - E uma luz azulada e fraca aparece na ponta de sua varinha, dando ela mesma um passo na direção em que mirava, a menina consegua iluminar, fracamente, um menino que ela nunca havia visto antes. Não que isso não fosse estranho, já que Sophie tinha a tendência de não gravar o rosto dos outros, porque simplesmente não se importava com eles.

Com um pigarro leve, a menina dá um novo passo em direção a ele e então o pergunta. - Não acha que já esta tarde demais para ficar passeando pelos corredores, Senhor... ? - A velocidade com que a menina colocara sua mascara de menina superior, era impressionante. O olhar perdido logo foram trocados por olhares astutos e superficiais, enquanto que seu nariz empinara-se automaticamente na presença de uma outra pessoa no ambiente. Conforme falava, Sophie se aproximava do rapaz, apenas para poder vê-lo melhor, até que chega próximo o suficiente para perceber a bela fisionomia que ele apresentava. A insegurança que a pouco havia escondido no mais profundo de seu ser, volta a transparecer em sua superfície. A beleza do rapaz a deixava sem jeito, o que a deixava desconfortável. Sem saber como agir perto do menino, ela abaixa sua varinha e dá alguns passos para trás, enquanto esperava por sua resposta.

A resposta do menino fora como um baque surdo para Sophie. Ele não a respondera, mas rebatera-a com a mesma pergunta. Um sorriso desdenhoso deforma seus lábios, sem ver o rosto do rapaz ela não se sentia mais insegura. E o fato da beleza do menino mexer com ela, a transtornava, portanto quando falara, fora seca e rápida. - Senhorita monitora, por favor. - A varinha em sua mão continuava a iluminar o ambiente, mas como seu braço jazia jogado ao seu lado, a única coisa que ela iluminava era a delicada sapatilha que trajava no momento. A corvina colocara a mão na cintura, demonstrando a superioridade que usava como escudo. A tocha logo atrás de si falhara por um momento devido a um fino sopro de vento que envolvera o local com seu costumeiro gelado, mas logo a luz volta a iluminá-los, apenas para que o contorno de ambos pudesse ser visto.

Sem ter a coragem de voltar a iluminá-lo, Sophie aproxima-se do rapaz com a varinha ainda abaixada e apoia-se na parede próxima a ele, soltando, assim, um suspiro entediado antes de continuar. - E sim, esta regra prevalece antes do início das aulas. - Brinco distraída com a varinha em mão e volto a parar de me apoiar na parede, para chegar mais perto do menino enquanto meus olhos direcionavam-se para a saída do corredor. - Enquanto tiver mais de dois alunos aqui as regras são as mesmas das do período letivo. - Um leve tossida faz com que ela pause por um momento seu discurso antes de continuar. - Alunos precisam de regras... - A menina dá um novo passo em direção ao menino, dirigindo-se para o seu lado direito onde havia espaço o suficiente para que ela continuasse sua ronda e levasse o rapaz até sua sala comunal. Seus finos lábios já murmuravma a palavra: “Vamos” quando involuntariamente ergue seu braço e volta a iluminar as belas feições do menino. Um pouco nervosa com a situação de insegurança que ele a levava, limita-se a fazer uma careta brava para ele.

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Um suspiro forte escapa dos lábios de Sophie. Já era o segundo naquela noite, demonstrando-se impaciente com a situação. Porque aquele menino insistia em irritá-la? Era o que a menina se perguntava enquanto voltava-se para trás, obtendo uma distância segura do menino. O bico que projetara-se em seus lábios se desfizera quando em um gesto cansado ela leva a mão até o rosto e faz um movimento como se quisesse retirar de si tudo de ruim que enchia sua mente. O menino continuava a observá-la, o que a incomodava em parte. Estava acostumada a intimidar tanto aqueles a sua volta que poucos se atreviam a realmente olhar para ela e reparar o quão bela era, mas sua beleza era algo que não existia para si mesma apenas era um instrumento para conseguir algo que queria. Mas ela admitia para si mesma que gostava quando a elogiavam, adorava quando seu avô segurava seu rosto nas mãos e lhe dizia que era a menina mais linda que ele já havia visto. Eram raros estes momentos, já que quando passava o tempo com seu avô, ambos limitavam-se a curtir o silêncio prazeroso que urgia entre eles.

Deixando suas duas mãos caírem ao lado do corpo, o rosto do rapaz deixa de ser iluminado e a expressão de cansaço que já estampava-se no rosto da menina passa a envolver todo seu corpo. Mas fora apenas um vislumbre de cansaço que o menino tivera dela, já que Sophie em pouquíssimo tempo se recompôs e endireitou-se, mostrando novamente seu semblante digno. Percebendo que o rapaz só falaria quando ela mesma começasse a falar, a corvina então o responde. - Monitora da Casa da Corvinal. - Um sorriso seco suprime seus lábios, mostrando o orgulho que ela sentia de seu título. - E o senhor, a qual casa pertence? - A menina olhava apenas para a sombra negra do menino, já que apenas seus sapatos estavam visíveis pela luz de sua varinha. Seu olhar era curioso e sua cabeça deixara-se pender para um lado, levando assim todo seu cabelo para um único lado.

Mais um sonserino para lhe atazanar, fora o que Sophie pensara. A escola pelos olhos da menina resumia-se em sonserinos insuportáveis que gostavam de lhe perseguir: muitos faziam apostas de quem faria qualquer brincadeira com a Corvina, já que ela era, provavelmente, a aluna menos acessível do castelo, de corvinos estudiosos que eram suportáveis de se ficar no mesmo aposento, já que eles raramente lhe dirigiam à palavra e o resto. Grifinos e Lufanos eram tão indiferentes para ela, que era bastante provável que ela nunca tivesse conversado com algum que não fosse de sua família, ou outro monitor. Ela brincava impacientemente com a varinha em sua mão, criando um jogo de luzes nas antigas paredes de pedra das masmorras. O rapaz já havia a segurado naquele local muito tempo e já a havia feito falar mais do que falara com seus próprios primos desde o início do ano. Ela percebia o quanto o rapaz brincava com ela e com a situação e Sophie não sabia como reagir, estava cansada demais para ser a normalmente menina agressiva e esnobe, mas ainda tinha muito orgulho para se deixar levar pelo sonserino, portanto ela apenas encara sua sombra negra, vislumbrando de tempos em tempos o contorno dos lábios do menino deformados por um sorriso zombeteiro.

Suas vestes esta noite não era o costumeiro uniforme, já que não havia razão para usá-lo enquanto o ano letivo não começasse, mas sim roupas parecidas com as dos trouxas, apenas com os detalhes que davam uma certa magnificência para a modelo. O distintivo de monitora ainda brilhava sobre seu peito. Imitando, inconscientemente, o menino, Sophie passa novamente as mãos nos cabelos deixando-o com um ar selvagem que combinava com o cansaço em seu rosto. Recuperando alguma energia que ainda lhe restava ela rebate as palavras dele. - Sabe, é feio um cavalheiro, o que era supostamente para você ser, não se apresentar antes da dama. - Os costumes antigos que seu avô contrastava com os tempos modernos nos quais os bruxos estavam vivendo. Mas seu sangue Chthon ainda clamava por heroísmo e beleza romântica, portanto por mais que sua mente revolucionária gritasse por inovação, seu coração pedia a tradição. Corresponde ao sorriso zombeteiro do menino, apoiando todo o seu peso em um só pé enquanto o olha com a cabeça um pouco inclinada

A insistência do garoto já a cansava. O modo como a observava: como se a menina fosse uma pequena experiência, nada além disso, a irritava. Suas respiração lenta demonstrava o esforço por auto-controle que ela fazia. Sua mão se apertava firmemente no cabo da varinha. Sophie quando pequena era uma menina um tanto quanto afobada, não agüentava as provocações de seus primos, pois, normalmente, ficavam todas contra ela: a menina de sangue sujo, que infetou o sangue Chthon com o sangue daquela pária dos Armstrongs. Ela sabia que não era sua culpa a mistura de famílias, seu avô já havia dito a ela. Mas no meio da briga, enquanto enrolava a mão nos cabelos de uma das primas mais velhas, os ditos de seu avô não importavam... Entretanto após envelhecer e ter maior conhecimento de mundo, a corvina deixou de se estressar com provocações e gestos destinados a lhe machucar. O escudo que a cobria fora formado logo antes dos 9 anos.

No seu aniversário de nove anos, seu avô prometera-lhe uma grande festa, com muitos doces, animais fantásticos e um vampiro, que ele prometera que iria dançar com ela, sem a machucá-la, claro. As borboletas no estômago da pequena, encontravam-se em intensa agitação, o sorriso estampado em seu rosto custava a lhe deixar e nem ao menos o fato de andar sozinha pela casa a chateava. Quando o dia da festa chegara, a menina levantara-se junto ao amanhecer. Com afinco observou as preparações da janela de seu quarto, demorara três horas para arrumar o cabelo da maneira com que havia visto suas tias arrumar de suas respectivas filhas , estava perfeita.. O vestido de renda caia como uma luva em seu corpo, depois da morte de seus pais era o primeiro dia que ela encontrava-se realmente feliz. Ao descer as escadas correndo prostrara-se diante da mesa em que o bolo estava, e então ninguém apareceu. Nem ao menos suas tias que moravam na mansão apareceram no quintal. E por horas a menina ficou ereta defronte ao bolo, esperando qualquer companhia... Mas sozinha continuou. Naquele momento, no ápice da sua solidão, com apenas seu avô ao lado olhando-a com compaixão, um armadura envolveu a menina e nunca mais ela deixou-se sofrer pelos outros. Ela estava sozinha neste mundo e assim continuaria.

Portanto ela não se importava com o que o menino a sua frente pensava dela, e quando ele a pergunta se era um cavalheiro, Sophie se limita a olhá-lo de cima a baixo e murmura. – Bom, esperava que fosse... – Acompanhado de destas palavras vem um novo suspiro para encher seus pulmões do ar úmido das masmorras. O menino enfim se apresenta. Richard era o seu nome, pela etiqueta que o devia, ergo minha mão em direção à sua como forma de cumprimento e lhe digo também. – Sophie, prazer... – Sua boca fecha no meio da frase. Ela admitia para si mesma que não era um prazer conhecê-lo, portanto não se atreveu a mentir, então continuou para que seu erro não fosse evidenciado. – Então, Sr. Richard... Não acha que já está na hora de voltar ao seu dormitório? Ou prefere passar o resto da noite em minha companhia? – A segunda parte de sua última frase era cheia de ironias e pelo seu olhar ficava evidente que ela não gostaria de passar nem mais um momento com o rapaz.

A atitude grosseira do menino batera-lhe com força. Os atos do menino pareciam se espelhar nos seus, se ele estava sendo grosso, era porque ela havia sido grossa. Sophie não gostava de agira de maneira mal educada, sua educação rígida não a havia sido tão constante para que ela agisse desse jeito, mas Richard não havia lhe dado outra escolha. Ou ela era mal educada, ou teria que... Fazer companhia a ele. E ela não sabia fazer companhia aos outros, não sabia começar uma conversação, ou rir de piadas entre amigos. Sua solidão era concreta desde pequena, portanto ela não sabia ter amigos, ou ao menos colegas. Ela era quieta e assim permanecia perante todos; até mesmo ao seu avô. Ela observa o menino dar-lhe as costas e abandonar as masmorras, ela permanece parada até que os sons de seus passos diminuam até não serem mais ouvidos, quando percebe estar realmente sozinha se apóia na parede e se permite escorregar até voltar ao chão.

Cansaço: do dia de estudos e solidão que passara, dos olhares maldosos em sua direção, da falta de toque e do menino que acabara de conhecer, de seu tom de voz doce, mas com palavras duras, de seu olhar zombeteiro, de suas belas feições e de sua insistência. Sim, o que mais a cansara fora a sua insistência, em conhecê-la, em querer saber quem ela era; e por mais que ela se esforçara para não se deixar levar, o menino acaba por saber seu nome, sua casa e talvez até mais do que isso. Ele a conhecera enquanto ela se recuperava de mais um de seus momentos de fraqueza. Sentada no chão, com os cabelos selvagens presos em alguns pontos da pedra logo acima de sua cabeça ela suspira longamente: ela exala o ar por diversos minutos, tentando se recompor.

Suas pernas finas demoram a recuperar a força de outrora, portanto a menina passa longos minutos naquela masmorra escura, de cheiro úmido e angustiante. Mas logo ao se recompor, Sophie levanta-se ereta e passa a mão em suas vestes, limpando-se da fina camada de pó que cobria os lugares que tocaram as pedras. Levando uma das mechas de seu cabelo para detrás da orelha, a menina ergue o nariz e com a varinha em mãos continua a seguir em sua ronda. Tentando não se abalar pelo encontro com Richard.